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Enoturismo impulsiona vendas da Guaspari e ajuda a vencer preconceito contra vinhos paulistas

VINHEDOS DA GUASPARI: vinícola paulista inverteu o ciclo da colheita e está produzindo premiados Syrahs. Foto: Divulgacao

De uma colina, perto das videiras de uvas syrah, é possível ter a vista de um bosque e de dois lagos, ainda parte do terreno, além de montanhas e vales da região. Com esta paisagem, experimentar um dos rótulos do portfólio é um dos pontos altos da visita à Guaspari.

Este cenário, em conjunto com a beleza do espaço no qual está instalada a sede da vinícola, talvez ajude a explicar a razão de o enoturismo ter se tornado o motor das vendas de vinhos da empresa.

Quem vai ao local, situado na cidade de Espírito Santo do Pinhal, a cerca de 200 quilômetros da capital paulista, pode fazer a visita guiada, com explicações técnicas sobre as diferentes etapas do processo de produção da bebida. A vinícola conta ainda com um winebar.

Na degustação, existe a possibilidade de experimentar o rótulo de vinho branco, produzido com a cepa viognier, pouco difundida ainda entre o público brasileiro. Com complexidade e acidez, ele carrega aromas frutados e florais e um toque cítrico no paladar.

Hoje, 65% do faturamento da Guaspari vêm da venda direta, contando os vinhos/comprados na loja física, que fica na sede, e na loja online.

“Esse número começou a aparecer em 2019. Depois da pandemia, então, ele virou de vez e definitivamente não voltou mais. Inicialmente, o projeto previa atingir essa meta só em 2025”, afirma Fabrizia Zucherato, diretora executiva da vinícola.

A produção anual da vinícola, uma das pioneiras na produção de vinhos finos na serra da Mantiqueira, está entre 120 e 150 mil garrafas. Há pouco mais de um mês, ela foi contemplada com duas medalhas de ouro inéditas para vinhos do Brasil —uma para o Guaspari Vista da Serra Syrah 2019 e outra para o Guaspari Cabernet Franc Cabernet Sauvignon Vista da Mata 2018.

Os bons resultados da produtora de Espírito Santo do Pinhal são um exemplo da ascensão das vinícolas paulistas.

“O setor teve uma evolução tão rápida que não temos conseguido formar enólogos para suprir as vagas disponíveis”, conta Fábio Laner Lenk, professor de enologia do Instituto Federal de São Paulo.

“O estado já tem um histórico na produção de vinhos. Mas, por causa da falta de conhecimento tecnológico, estava restrito à viticultura tradicional e voltado a vinhos de mesa, feitos com as variedades americanas. Com novas tecnologias, desde os anos 2000 houve um salto muito grande de qualidade desses produtos”, afirma.

Foi nesse período que o estado de São Paulo passou a produzir ainda mais os chamados vinhos finos, feitos com as cepas de uvas Vitis vinifera, em geral, europeias. E isso foi possível graças à poda invertida ou poda dupla.

Lenk explica que uma das vantagens dessa técnica tem a ver com a localização do território paulista, que tem semelhanças com as grandes regiões produtoras tradicionais.

Em linhas gerais, a técnica consiste em podar as vinhas em agosto, para formar os ramos, e depois realizar uma segunda poda novamente no verão, em janeiro, quando normalmente já seriam colhidas as uvas. Com isso, as uvas amadurecem no inverno, quando há menos chuvas, que podem prejudicar as frutas, e os dias têm amplitude térmica maior.

“[Com essa técnica] é evidente a melhora na qualidade da matéria-prima. Isso se reflete posteriormente na bebida”, afirma Lenk. Ainda segundo o professor de enologia, isso proporciona características originais que nenhum outro local pode copiar.

Apesar disso, diz, os vinhos brasileiros ainda enfrentam certa desconfiança do público em geral. Mais ainda quando são produzidos fora do Rio Grande do Sul, região mais tradicional do país e que concentra a maioria das vinícolas.

O enoturismo surge, então, como um dos pontos fortes das empresas paulistas. Segundo Lenk, como São Paulo tem o principal mercado consumidor do país, isso acaba influenciando os outros estados.

“Temos vinícolas muito próximas a grande centros populacionais”, afirma o especialista. “Quando o público pode ver como que o trabalho é feito, fazer degustações, aprender como se faz a plantação e tudo o que envolve a cadeia produtiva do vinho, isso facilita que as pessoas entendam que os produtos têm qualidade”.

A Guaspari abriu a sua vinícola para visitações do público no ano de 2017. Segundo Fabrizia Zucherato, o primeiro desafio foi convencer as pessoas que vinhos poderiam ser produzidos fora do estado do Rio Grande do Sul.

Ela elenca o enoturismo, as visitas de sommeliers e de representantes de restaurantes como fatores que ajudaram a quebrar o preconceito com os vinhos feitos em São Paulo.

Uma década atrás, afirma, o mercado nacional de vinhos era completamente diferente. Nos próximos dez anos, diz, a diferença na qualidade dos produtos será bem maior.

A sommelière Celia R. Canhassi Corigliano, professora da escola de vinhos Celebrare, aponta que embora a técnica da poda invertida esteja possibilitando essa evolução na produção paulista, existem outros fatores a avaliar, como o preço dos produtos.

A poda invertida, afirma, “engana a videira” e, com isso, o ciclo dela é encurtado, de forma que ela seja capaz de produzir duas vezes por ano. Isso cansa a planta, que tende a envelhecer mais rápido.

O efeito positivo é que videiras mais velhas concentram mais aromas e sabores nas frutas, com maior qualidade. O lado negativo são rendimentos menores, o que eleva o preço. “É uma situação a se avaliar. Uma opção para o produtor e para o enólogo”, diz.