Início Economia Juros do Desenrola podem passar de 200% em cinco anos

Juros do Desenrola podem passar de 200% em cinco anos

Foto: Divulgação

O consumidor que renegociar uma dívida na Faixa 2 do Desenrola Brasil em cinco anos ou mais pode pagar taxas de mais de 200%. Isso acontece no caso de dívida negociada para ser paga a partir de 60 meses, com juros de 1,99% ao mês. Os dados são de uma simulação da Dsop Educação Financeira, a pedido da reportagem.

 

Por: ByABC com Folhapress

 

Nas simulações, a reportagem pediu os cálculos para dois cenários em que o consumidor consegue descontos. No cenário 1, o abatimento é de 50%. Na situação 2, de 96%. A taxa de juros ficou fixada em 1,99% ao mês.

 

Se considerarmos o valor do saldo devedor com os descontos, em ambos os cenários, o total a ser pago no fim do financiamento em cinco anos fica 72% maior do que a dívida.
Com um parcelamento de 60 meses e taxa de juros mensal de 1,99%, o consumidor irá pagar 72,19% só de juros. A taxa referente ao período do financiamento será de 226%.

 

Já um parcelamento em dez anos irá gerar custos de 163% apenas considerando o montante pago em juros, além de taxa de 963% (referente ao período de 120 meses).
Isso acontece porque, embora o pagamento das dívidas a longo prazo seja atraente pelo valor menor das parcelas, a taxa de juros negociada precisa ser realmente vantajosa. Do contrário, a depender do acordo firmado, o cidadão poderá pagar, ao fim do financiamento, um valor muitas vezes maior do que a própria dívida.

 

Alguns bancos anunciaram condições de pagamento como descontos de até 96% e parcelamento em até 120 vezes (dez anos). De acordo com a simulação da Dsop, financiar a dívida em prazos acima de 36 meses pode ser prejudicial para o bolso do correntista.

 

QUAIS AS VANTAGENS E DESVANTAGENS DO DESENROLA

 

Vale a pena aderir à Faixa 2 do Desenrola? A reportagem consultou economistas e educadoras financeiras que explicaram os cuidados necessários na hora de fazer a renegociação.

 

O Desenrola Brasil, na prática, funciona assim: o correntista negocia com os bancos para trocar a sua dívida por uma nova. Para ter sucesso, é preciso conseguir condições melhores para a quitação, explica a educadora financeira Simone Sgarbi. A criadora do canal “Investir, eu?” diz que há uma tendência de que os bancos reduzam os juros vigentes.

 

“O Desenrola vale muito a pena. Pelo menos nessa Faixa 2, nunca tivemos um incentivo tão bom. Isso porque o governo dá uma compensação tributária, e a cada R$ 1 de desconto concedido pelo banco, o governo libera R$ 1 em tributos para a instituição emprestar no mercado. É um bom momento”, avalia Sgarbi.

 

Segundo a especialista, um ponto negativo do programa é o fato de não haver estímulo à educação financeira da população. “Quando começou a se falar no programa, seria obrigatório fazer curso de educação financeira. Na verdade, não está sendo obrigatório. Há uma tendência de a pessoa voltar a se endividar. Acredito que além do acordo, deveria haver um material didático para que as pessoas entendam o porquê se endividaram e como não se endividar de novo.”

 

Imira Rando, mestre em economia pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), enxerga com bons olhos a proposta de desnegativar os cidadãos com dívidas de até R$ 100. “A primeira etapa é bastante vantajosa para a população mais carente, pois já ‘limpa’ o nome da pessoa física automaticamente e o banco não poderá negativá-la por aquela dívida baixa.”

 

Já sobre a Faixa 1, que começa em setembro, a economista ressalta que a taxa de juros será de até 1,99% e muitos bancos trabalham com taxas acima disso. “Sabendo isso, fica mais fácil para a pessoa comparar com as condições oferecidas pelo seu banco ou outras instituições bancárias, dentro e fora do programa”, diz a acadêmica.

 

“Uma desvantagem [da Faixa 1] é que a população precisa se informar diretamente com o banco para saber as condições, e isso pode confundir o consumidor na hora da tomada de decisão. Se a taxa do contrato for fixa, caso a Selic baixe, o contrato assinado para negociação poderá continuar cobrando os mesmos 1,99% ao mês, se tornando uma taxa ‘cara’, tendo em vista que os prazos podem chegar a 60 meses.”

 

CUIDADOS NA HORA DE RENEGOCIAR A DÍVIDA

 

No entanto, para conseguir renegociar um acordo vantajoso, o consumidor deve conhecer a sua dívida. Para isso, pode pedir ao banco a sua memória de cálculo, o “raio-x” de sua dívida: como ela começou e o passo a passo até chegar ao valor atual, segundo Sgarbi.
“Os bancos são obrigados a fornecer a memória de cálculo. Caso a instituição recuse, é possível reclamar ao Banco Central, que obrigará o banco a informar os dados”, diz a educadora financeira.

 

Sob posse das informações, o consumidor deve buscar saber qual o CET (custo efetivo total) da sua dívida. O CET engloba a taxa de juros e os demais encargos para operações financeiras. A ideia é que, quando for negociar com o banco, o cidadão saiba o CET atual e qual a taxa de juros e o CET que o banco oferece no novo financiamento.

 

“Para que a renegociação seja vantajosa para o consumidor, é preciso que o CET da nova dívida seja menor que aquele que ele estava pagando. Na prática, o valor da dívida não vai diminuir, mas sim a bola de neve de juros compostos que iria se formar.”

 

INADIMPLÊNCIA CAIU PELA PRIMEIRA VEZ NO ANO

 

Reportagem da Folha de S.Paulo publicada na sexta (21) mostrou que a inadimplência caiu pela primeira vez em 2023, segundo dados da Serasa Experian. O levantamento contempla dados relativos a junho, anteriores ao início do Desenrola.
“O programa é, assim como outras iniciativas como o Feirão Limpa Nome [da Serasa], uma ação para tirar as pessoas da inadimplência. Porém, essas ações não surtem o efeito necessário”, afirma Cíntia Senna, doutoranda e mestre em educação financeira. “Antes de sair fazendo qualquer negociação, a pessoa precisa entender o porquê de ter entrado nessa situação.”

 

Além disso, o consumidor precisa saber se, além dessa dívida atendida pelo Desenrola, ele tem outras contas em atraso que o programa não atende nesse momento, diz Senna.
Isso porque a Faixa 2 do Desenrola Brasil tem foco em dívidas bancárias com bancos, financeiras, cooperativas e sociedades de crédito cadastrados no programa. O devedor deve receber entre R$ 2.640 e R$ 20 mil por mês e ter entrado na lista de inadimplentes entre 2019 e 2022.

 

Contas de água, luz, gás e telefone, por exemplo, ficam de fora. No Desenrola, essas dívidas poderão ser renegociadas apenas em setembro, quando terá início a Faixa 1 do programa. Uma saída para renegociar esse tipo de dívida sobre serviços essenciais é o mutirão “Renegocia!”, que começa na segunda (24).

 

“Antes de fechar qualquer acordo, é preciso avaliar o orçamento financeiro. Quanto o consumidor consegue pagar dessa dívida de modo a não comprometer as contas do mês”, explica a educadora da Dsop.

 

PRINCIPAIS MOTIVOS QUE LEVAM À INADIMPLÊNCIA

 

O primeiro passo para evitar a inadimplência é detectar os motivos pelos quais aquela situação aconteceu. Um dos principais motivos que levam ao endividamento é uma má gestão financeira, sem planejamento e um controle de todos os gastos, mantendo-os abaixo da renda obtida por mês.

 

Outro fator que causa dívidas em atraso é o uso descontrolado de cartões de crédito. Segundo o Banco Central, existem mais de 208 milhões de cartões ativos no país —ou seja, mais de um cartão por brasileiro. Ao ter mais de um cartão, o consumidor pode não ter total controle sobre os limites de cada plástico, sobrepondo dívidas que se tornam impagáveis. Além disso, as taxas de juros dos cartões são muito elevadas.

 

Outro fator que leva ao endividamento são as emergências. Problemas de ordem médica ou reparos necessários em casa ou no carro, além de desastres naturais, podem demandar gastos imprevistos. Por isso, é importante que parte da renda mensal seja destinada a uma quantia de reserva para essas situações.

 

O desemprego ou a redução de renda também pode causar a inadimplência. Nesse caso, o ideal é que o cidadão se organize caso tenha acesso ao FGTS e ao seguro-desemprego, de modo a evitar gastos desnecessários.